Um dos criadores da Teologia da Libertação, o sacerdote
dominicano radicado no Peru Gustavo Gutierrez tem se mostrado bastante
confiante na reconciliação dessa corrente teológica, surgida na América Latina
em meados dos anos 1970 com vistas a uma "Igreja dos Pobres”, com os altos
comandos do Vaticano. Sinais claros dessa aproximação surgiram quando de sua
audiência recente com o Papa Francisco. Em entrevista a Mauro Castagnaro, da
revista italiana Jesus Itália, Gutierrez afirmou que quando o atual prefeito da
Congregação para a Doutrina da Fé, Dom Gerhard Müller, se pronuncia
favoravelmente sobre seus escritos, sua avaliação não diz respeito apenas às
reflexões de Gutierrez e sim às da Teologia da Libertação como um todo, porque
as posições dos teólogos são essencialmente as mesmas.
Como não poderia deixar de ser, o Papa Francisco também foi
pauta da entrevista. O questionamento girou entorno da opinião do teólogo sobre
o desejo do Papa "de uma Igreja pobre para os pobres” e acerca dos
desafios que rondam o pontífice. Para Gutierrez, o fato é que o Papa ama os
pobres porque leu o evangelho e o compreendeu.
"Pode até ser que ele conheça a teologia da libertação
e, se ela o ajudou a aproveitar essa importante perspectiva cristã, melhor! Mas
o desafio dos pobres está há muito tempo presente no horizonte da Igreja, senão
não se entenderia o martírio que temos experimentado na América Latina,
começando por bispos como Enrique Angelelli, na Argentina, Óscar Romero, em El
Salvador, e Juan Gerardi, na Guatemala. Construir essa ‘Igreja pobre para os
pobres’ é uma grande aposta”, disse.
O sacerdote afirmou ainda que dizer que a pobreza é um
grande desafio para a Igreja implica em fazer mudanças. Por isso, em cada país,
a Igreja deve afirmar com maior força "a necessidade de que as
necessidades dos pobres sejam a principal preocupação política”.
Quando indagado sobre seu posicionamento em relação à
reflexão cristã a partir de filões teológicos que abordam a mulher, o índio, o
homossexual, entre outros, o sacerdote latino-americano explica que a ele
sempre pareceu importante dispor de uma noção geral, que era a do
"insignificante”, "pois é possível ser insignificante por falta de
dinheiro, mas também pela cor da pele ou pelo fato de falar mal a língua
dominante em um país, como ocorre no Peru para a metade indígena da população”.
O sacerdote completa: "Quando eu falo dos ‘pobres’, portanto, eu não me
refiro apenas àqueles que têm uma renda baixa, mas também ‘a quem não conta,
não tem peso social’, quem é marginalizado ou esquecido”. Em seu livro’
Teologia da Libertação’ Gutierrez abordou etnias e culturas desprezadas e após
1975 falou sobre a mulher, definindo-a como "duplamente oprimida, enquanto
pobre e enquanto mulher”, mas não se aprofundou no assunto, o que foi feito por
algumas teólogas.
Castagnaro questionou Gutierrez sobre a afirmação de
sacerdote brasileiro Frei Betto de que, nos últimos anos, chegaram ao poder na
América Latina líderes ligados à "opção pelos pobres” e à Teologia da
Libertação. Sobre isso, seu posicionamento é de desconfiança, pois apesar das
convicções e referências religiosas de alguns políticos à teologia da
libertação "não é um clube ou um partido político no qual nos inscrevemos!
Por isso, eu não acho que se possa dizer que um presidente da República esteja
ligado a ela”, contudo, Gutierrez pontua que não tem dúvidas de que a Igreja
latino-americana nos últimos 40 anos influenciou muito a sociedade.
Outro ponto abordado durante a entrevista foi o período em
que o teólogo esteve "na mira do Vaticano” e como ele viveu esse momento.
Gutierrez relembrou o quão desagradável era saber que ele era definido como
alguém que se infiltrou na Igreja para destruí-la. "Que alguém diga que
não está de acordo é normal, mas aquela acusação era maluca! A controvérsia,
além disso, tinha uma forte dimensão midiática no Peru; nela se envolviam
bispos e personalidades políticas. Eu dialoguei muito, não convenci ninguém das
minhas posições, mas talvez eles perceberam que aquilo que acreditavam sobre
mim não era verdade”, explicou, lembrando que sempre buscou saber o mérito das
críticas contra ele.
Do Adital
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