Discreta e austera. Até os 100 primeiros dias de governo, esses eram os adjetivos mais freqüentes para definir Dilma Rousseff. Em contraponto com o ex, alguns louvavam a sua assiduidade ao local de trabalho, sua competência gerencial. Embora seja um passado recentíssimo, a presidente já poderia dizer: bons tempos aqueles.
Se até meados de abril Dilma flutuava em nuvens, na segunda centena de dias a porta do inferno se escancarou. E, em ritmo alucinante, multiplicaram-se escândalos e reclamações para todos os lados. De aliados e de gente de seu partido.
O diabo já estava solto há tempos, mas a maioria fingia não ver.
A mesma Dilma que pretendeu ser implacável com os indícios de corrupção no Ministério dos Transportes, e que fez ouvidos moucos às denúncias de ilícitos no Ministério da Agricultura, já havia se furtado a agir muito antes disso.
Não se tem notícia, por exemplo, que tenha mandado investigar as denúncias de roubalheira no Ministério dos Esportes, um esquema envolvendo ONGs ligadas ao PCdoB, partido do ministro Orlando Silva.
Muito menos de alguma intervenção na Infraero ou na caixa preta do Ministério da Energia, esse, sim, um satanás que deveria tirar o sono do governo.
A imagem de gerente eficaz também já se derretia muito antes do centésimo dia.
Tropeçou no apagão do Nordeste – até hoje sem a explicação prometida -, na gestão da hidrelétrica de Belo Monte, no atraso das obras dos aeroportos para a Copa 2014, anunciado pelo Ipea, o mais governista dos institutos.
Executou 0,25% do PAC nos três primeiros meses de governo e embananou-se de vez ao eleger o trem-bala como menina dos olhos.
O enxofre até então escondido só começou a exalar depois do 130º dia, quando o enriquecimento espetacular do então ministro Antonio Palocci, braço esquerdo e direito da presidente, inaugurou as baixas na equipe ministerial.
Dilma gastou energia e fôlego, deixando-se sangrar dias a fio. Improvisou Gleisi Hoffmann para a Casa Civil e inaugurou um inédito troca-troca entre os ministérios de Relações Institucionais e da Pesca.
Na lida com o Congresso, quis e não quis, foi e voltou, vacilou quando tinha de decidir. Tentou, ainda que pouco à vontade, criar interlocuções diretas com a base faminta que, em troca, lhe cobra mais e maiores provisões.
Com um desgaste maior do que o previsto, juntou os panos de chão e empunhou a vassoura rumo aos Transportes, colocando para correr quase três dezenas de protegidos de fiéis escudeiros. Valia a pena: a exclusão do PR bagunçava a base, mas lhe rendia fruto popular. A conferir, já que a faxina parou por aí.
O satã em voga agora é Nelson Jobim, o ministro da Defesa de Lula que Dilma engoliu porque Lula pediu e tudo que ela não queria era contrariar Lula. Muito menos os militares.
O ex-ministro fez uma força danada para sair do governo. Soltou a língua. Elogiou FHC em detrimento de Dilma, disse que votou no adversário, criticou as ministras da casa.
Dificilmente a verdade sobre a sua saída virá à tona. Afinal, nunca se sabe o que leva alguém ao suicídio.
Em seu favor, Jobim sempre poderá dizer que não faltou com a verdade. Nesta altura, Gleisi já deve conhecer Brasília, e isso, como ela mesma diz, pouco importa. Se Ideli é ou não fraquinha, só o tempo dirá.
Mas uma coisa é certa: em pouco mais de 200 dias o governo Dilma já usou e abusou de trapalhadas.
Mary Zaidan é jornalista, trabalhou nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, em Brasília. Foi assessora de imprensa do governador Mario Covas em duas campanhas e ao longo de todo o seu período no Palácio dos Bandeirantes. Há cinco anos coordena o atendimento da área pública da agência 'Lu Fernandes Comunicação e Imprensa, @maryzaidan