Ivan Lira de Carvalho
Juiz Federal e Professor da UFRN – ivanlira6@uol.com.br
Travei séria batalha para ver outras batalhas. Digo da luta que enfrentei contra as filas medonhas que se estabeleceram, já por quase um mês, à frente dos guichês dos cinemas, para a aquisição de bilhetes de acessos ao filme nacional “Tropa de Elite 2”, do diretor José Padilha. Parafraseando o jargão dos palanques, nunca na história deste país filas tão grandes foram organizadas por pessoas ávidas para testemunhar, em película, as agruras de um homem – o oficial da Polícia Militar carioca com nome de guerra Nascimento – no qual o povão vê o salvador da pátria, capaz de tirar o Estado das garras dos traficantes e, posteriormente, arrancá-lo das mãos da corrupção institucional.
O semblante dos consumidores do referido produto cultural é bem linear, independentemente da faixa etária ou do estrato sociocultural: têm sede de vindita contra o Estado que tunga o bolso de todos com forte carga tributária, mas que não tem suficiente capacidade gerencial para não se deixar enredar pelas ações do crime organizado, inclusive do que transpõe cotidianamente a sua própria soleira. No meio desses deserdados de semideuses, pontuam também uns desprovidos de ética, que se aproveitam da boa imagem do milico destemido protagonizado por Wagner Moura, para tentar colá-la à sua biografia, através de uma equação simplória: se nada foi provado contra mim, logo eu sou da banda limpa. E tem gente que acredita.
O filme é tecnicamente de boa qualidade. Muito boa, aliás. Se o padrão que mais encanta numericamente os apreciadores de cinema é o hollywoodiano, digo que estamos chegando lá... O roteiro é um tanto previsível: o personagem principal encerrará a fita vivo, mesmo que as suas vontades não sejam vencedoras. As cenas de ação, montadas em boa ambientação e sem erros aparentes de continuidade e de contextualização histórica, prendem a atenção do espectador e implicam em um voraz consumo de pipoca, já que o mastigar aplaca a tensão, no meu caso específico.
O bordão “bandido bom é bandido morto” encanta parte da assistência, que vibra também com as cenas de interrogatório que repetem métodos da inquisição espanhola. Eu, aboletado em uma poltrona e entre goles de refrigerante, ouso concluir que a insuficiência do Estado na área de segurança pública é a responsável por essa catarse coletiva em sala escura. Após o dístico “the end” (mesmo que seja escrito em vernáculo, o nosso subconsciente, de forma colonizada, traduz para o inglês), saem fregueses e freguesas para o mundo real, ainda coçando os olhos, à busca dos magnânimos que possam livrar a todos da barbárie do crime organizado, inclusive do que se enrosca nos próprios agentes oficiais corruptos. E chegando ao carro, sintonizam o rádio em emissora noticiosa para ouvir, por exemplo, alguém que se apresenta como “consultor na área de segurança pública”, para tecer críticas ao sistema de segurança social e para apresentar soluções miraculosas para o combate ao banditismo, omitindo do ouvinte, entretanto, a cifra que embolsou para trocar a toga pelo microfone e alimentar o sonho de um povo que vive à procura de heróis.
Lamentavelmente o pós-filme, para grande parte dos espectadores, continua a ser um campo fértil para que oportunistas, ditos “consultores de segurança pública” ou endossantes de críticas óbvias ao sistema, mascarados de éticos, faturem votos ou dinheiro. Ou os dois.
[Crônica publicada em O JORNAL DE HOJE, Natal-RN, edição 18.nov.2010, pág. 18]
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